Era uma vez um Sapo muito esperto e um Urubu que sabia tocar viola muito bem. Houve uma festa no céu, foram convidados todos os bichos cá da terra. O Urubu, violeiro afamado, não faltaria... as danças dependeriam de sua marcação. Como está sempre com os pés sujos, foi lavá-los numa lagoa e aproveitar para tomar um gole d'água quando avistou um sapo-untanha dorme-dormindo. E o diálogo tem inicio: "Como é compadre Cururu, você não vai à festa no céu?" O sapo-cururu respondeu: "Irei logo, estava tirando uma soneca para poder me divertir a noite toda. Quero dançar até o sol raiar..."
Enquanto o Urubu bebia água o Sapo entrou na viola do seu compadre. O Urubu apanhou a viola e voou em demanda da festa. Voou, voou, voou. Em chegando ao céu é recebido com ruidosa manifestação pela bicharada que lá em cima já se achava. Os bichos esperavam-no para dar inicio ao forró. Antes, porém, convidaram-no para tomar um "lava-goela". Deixou a viola num canto do salão. O sapo safou-se da viola sem ser visto por ninguém, enquanto todos estavam distraídos com a recepção ao violeiro. Saiu pula-pulando, chegando primeiro do que todos na "ramada" (barraquinha de come e bebes). Efusivo, recebeu-o o compadre Urubu: "Ué, Cururu, já por aqui?" "Aqui para lhe servir, meu compadre Urubu. Tome esta, que já faz tempo que estamos esperando pelos baiões bem marcados, que só meu compadre sabe tocar." O Urubu lambiscou de tudo e foi tocar viola, acompanhando o sanfoneiro. A função prolongou-se até ao despontar da manhã. O sapo fingiu-se de cansado, de pernas bambas, passou ginga-gingando na frente do compadre, foi contando que iria dormir mais cedo. Bocejando desapareceu. Finda a função, o Urubu, esfaimado como sempre, voltou para dar uma vistoria na "ramada". O sapo aproveitou-se da oportunidade e zás... Enfiou-se novamente na viola. O Urubu despediu-se da bicharada, apanhou a viola e regressou para terra... E pensou: "Toquei a noite toda e a viola não estava tão pesada assim. Será que estou cansado?"
Voou mais um pouco e procurou averiguar. Deu uma sacudidela e eis que vê lá dentro o Cururu, refestelado: "É você que está aí, seu malandro? Pois de agora em diante não me logrará mais, vou lhe pregar uma peça. Virou a boca da viola para baixo, procurando desvencilhar-se do intruso. O Sapo, com os olhos arregalados de medo, vendo que ia se esborrachar no solo gritou: "Me jogue em cima de uma pedra, não me atire na água que eu me afogo." O Urubu ficou branco de raiva, olhou e viu pouco distante uma lagoa e pensou: "Este trapaceiro sem-vergonha me paga, vou lhe dar-lhe uma lição de mestre. Voou até a lagoa e zás, derrubou seu compadre Cururu. Crocitando e com os olhos chispando de raiva disse: "Pois você me paga, seu cara feia, agora eu o afogo. E assim atirou o Cururu na lagoa. Pensou que tinha se vingado do sapo. E o espertalhão do Cururu, lá do fundo da lagoa saiu rindo e dizendo: "Enganei um bobo na casca do ovo." Não presta ser vingativo, o Urubu não conseguiu o que desejava... e foi assim que o sapo foi à festa no céu...
*Alceu Maynard Araújo, folclorista e escritor, nasceu em 1913, em Piracicaba, SP. Publicou os seguintes livros sobre Folclore: Cururu (1948), Danças e Ritos Populares de Taubaté (1948), Folia de Reis de Cunha (1949), Rondas Infantis de Cananéia (1952), Literatura de Cordel (1955), Ciclo Agrícola, calendário religioso e magias ligadas às plantações (1957), Poranduba Paulista (1958), Folclore do Mar (1958), Medicina Rústica (1961), Novo Dicionário Brasileiro – Verbetes de Folclore (1962), Folclore Nacional (1964), Pentateuco Nordestino (1971).
A festa no céu
Versão de Luís da Câmara Cascudo *
(Conto etiológico tradicional do Brasil)
Entre todas as aves, espalhou-se a notícia de uma festa no Céu. Todas as aves compareceriam e começaram a fazer inveja aos animais e outros bichos da terra incapazes de vôo. Imaginem quem foi dizer que ia também à festa... O Sapo! Logo ele, pesadão e nem sabendo dar uma carreira, seria capaz de aparecer naquelas alturas. Pois o Sapo disse que tinha sido convidado e que ia sem dúvida nenhuma. Os bichos só faltaram morrer de rir. Os pássaros, então, nem se fala! O Sapo tinha seu plano. Na véspera, procurou o Urubu e deu uma prosa boa, divertindo muito o dono da casa. Depois disse: - Bem, camarada Urubu, quem é coxo parte cedo e eu vou indo, porque o caminho é comprido. O Urubu respondeu: - Você vai mesmo? - Se vou? Até lá, sem falta!
Em vez de sair, o Sapo deu uma volta, entrou na camarinha do Urubu e, vendo a viola em cima da cama, meteu-se dentro, encolhendo-se todo. O Urubu, mais tarde, pegou na viola, amarrou-a a tiracolo e bateu asas para o céu, rru-rru-rru... Chegando ao céu, o Urubu arriou a viola num canto e foi procurar as outras aves. O Sapo botou um olho de fora e, vendo que estava sozinho, deu um pulo e ganhou a rua, todo satisfeito. Nem queiram saber o espanto que as aves tiveram, vendo o Sapo pulando no céu! Perguntaram, perguntaram, mas o Sapo só fazia conversa mole. A festa começou e o Sapo tomou parte de grande. Pela madrugada, sabendo que só podia voltar do mesmo jeito da vinda, mestre Sapo foi-se esgueirando e correu para onde o Urubu se havia hospedado. Procurou a viola e acomodou-se, como da outra feita. O sol saindo, acabou-se a festa e os convidados foram voando, cada um no seu destino.
O Urubu agarrou a viola e tocou-se para a Terra, rru-rru-rru... Ia pelo meio do caminho, quando, numa curva, o Sapo mexeu-se e o Urubu, espiando para dentro do instrumento, viu o bicho lá no escuro, todo curvado, feito uma bola. - Ah! camarada Sapo! É assim que você vai à festa no Céu? Deixe de ser confiado...! E, naquelas lonjuras, emborcou a viola. O Sapo despencou-se para baixo que vinha zunindo. E dizia, na queda: - Béu-Béu! Se desta eu escapar, Nunca mais bodas no céu!... E vendo as serras lá em baixo: - Arreda pedra, se não eu te rebento! Bateu em cima das pedras como um genipapo, espapaçando-se todo. Ficou em pedaços. Nossa Senhora, com pena do Sapo, juntou todos os pedaços e o Sapo enviveceu de novo. Por isso o Sapo tem o couro todo cheio de remendos.
Fonte: Antologia da literatura mundial - Lendas, fábulas e apólogos
- vol IV - Seleção de Nádia Santos e Yolanda L. Stos - Ed. Logos Ltda, SP
* Luís da Câmara Cascudo nasceu, em 1898, em Natal (RN) onde morreu em 1986. Advogado, professor, pesquisador, folclorista e escritor, ele recolhia lendas e contos populares do Brasil, relacionando-os com lendas e mitos de outros países. Foi assim que encontrou na 13ª narrativa do Pachatantra (a mais antiga coleção de fábulas indianas conhecida), uma história com temática similar ao nosso conto "A festa no céu". Trata-se da história de "Kambugriva, uma tartaruga que morava no lago Fulatpala, no país de Magada. Dois gansos, Sancata e Vicata, para salvá-la da estiagem que seca as águas do lago, levam-na pelos ares, segura pela boca a um bastão. Vendo o espanto dos lavradores que a olham nas nuvens, Kambugriva abre a boca para dizer: - Que admiração é esta? - e vem morrer aos pedaços, nos rochedos." (Luis da Câmara Cascudo, Literatura Oral no Brasil, Ed. Itatiaia, 1984)
Nota: A festa no céu é considerado um conto etiológico (etiologia é a ciência da origem das coisas), por falar da origem dos desenhos (remendos) no couro do sapo. Existem versões que substituem o sapo pelo jabuti. |
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